AURORA
Exemplo dum caso de Terapia Regressiva de Memória Um velho hábito de mentir…
Nem sempre as pessoas que vêm para a Terapia Regressiva de Memória têm totalmente consciência do que vêm resolver, sentindo no entanto que algo não está bem com elas… às vezes não sabendo exprimir as razões que as levam a ter necessidade de fazer terapia.
Aurora terá sido um caso destes. Quando veio ter comigo começou por me dizer que não sabia bem ao que vinha, porém que iria tentar explicar-me algumas das suas queixas. Jovem solteira cujo aspeto poderíamos definir como sendo uma personalidade insegura, indecisa, com alguma instabilidade emocional, também pragmática, fazia notar uma acentuada desmotivação na vida, uma tristeza escondida. Tendo terminado a quinta relação amorosa recentemente, o seu rosto deixava adivinhar que esta última perda ainda a estava a afetar…
Este anterior companheiro teria desistido da relação com ela porque a teria confrontado com diferentes mentiras da parte desta minha cliente – aparentemente sem nenhuma razão plausível – perdendo ao longo do tempo completamente a confiança no relacionamento…
Por vezes provérbios antigos vêm-me à mente sem eu saber porquê e foi o que aconteceu naquele momento… “Mais fácil será um camelo passar pelo buraco duma agulha do que um mentiroso entrar no reino dos Céus”… ou no reino do Amor, disse para mim. Muitos indivíduos percorrem a vida a mentir a si próprios sem ter consciência que o fazem, mas será por hábito? Caso raro, o desta cliente que tinha se apercebido que algo de errado se passava com ela nesse aspeto.
Presumi interiormente que Aurora deveria também ter comentado nalgum momento com esta última relação, sobre os anteriores conflitos que teriam existido noutros relacionamentos – os quais não teriam terminado bem – algo que poderia ter feito nascer insegurança neste último companheiro, aspeto esse que, sem dúvida, ele deveria querer resolver. Infelizmente existe uma tendência para se comentar os problemas relacionais anteriores numa relação posterior, porém muitas vezes o resultado é diferente do esperado. A realidade é que a vítima procura muitas vezes resolver numa nova relação aquilo que nunca quis resolver consigo própria…
Esta cliente queixava-se de lhe ser difícil confiar nas pessoas e de existir uma dualidade nela que não conseguia definir ou compreender. No seu passado haveria episódios depressivos desde os 18 anos. A situação mais flagrante para ela, que gostaria de ultrapassar nesta sua primeira abordagem transpessoal, seria a sua tendência para mentir em relação, sem nenhuma causa aparente – o que a levava a ficar em contradição consigo – às vezes numa dualidade, indecisão ou dúvidas sobre si ou as suas escolhas. Apercebi-me também da existência dum conflito com a mãe, de quem apresentava queixas de ser muito controladora, critica, castradora e, de não a apoiar nas suas decisões, o que a levava a manter uma relação distante com ambos os pais.
É engraçado esta repetição de processos que vêm de vivências pretéritas e das suas personagens em conflito, neste teatro ao qual chamamos VIDA e onde o ser humano aprende a crescer, a libertar-se e a evoluir através de diversos cenários e, onde o inconsciente vai atraindo as peças ou veículos importantes com caras diferentes, para crescimento da alma – pois também ela está a aprender… através de diferentes formas.
Na realidade, dentro duma só vida do ser humano, poderão existir várias subpersonalidades e, todas elas quererão ser ouvidas, aceites, amadas, reconhecidas, reintegradas. Se isso não acontecer continuarão a exigir algo – tal como entidades separadas, afetando a vida da presente personalidade – na sua integração ao amor.
Interessante também verificar-se como os processos de conflitos em família atraem novas personagens mais próximas para a continuação do que ficou inacabado ou do que ainda está por se resolver… constituindo-se uma Grande Alma comum a todos.
Partindo da sua tendência para mentir nos relacionamentos, na primeira experiência em sessão, surgiu através da sessão de Aurora uma personagem a quem perguntei por que mentia. Ela riu-se, dizendo que a minha pergunta era engraçada mas que não sabia o porquê. “Tem uma cara triste, no entanto…” informa-me a cliente.
Esta personagem seria uma mulher solitária, que vivia numa floresta inóspita com o marido e um bebé. Uma noite, quando o companheiro ainda não tinha vindo para casa, saiu e perdeu-se na floresta. Ao longe ouve os gritos e o choro do seu bebé chamando por ela, mas não sabe como voltar. Sente-se angustiada, perdida.
“Sinto-me perdida… tenho medo porque está escuro…” diz-me tremulamente. Sente-se só na noite… fazendo-me crer inicialmente que a dificuldade de não ter um caminho visível no local onde se encontrava, prejudicaria o seu regresso a casa. A culpa por ter deixado o bebé sozinho aflora. Para além desse choro, ouve depois a voz do marido longinquamente chamando-a. Não consegue responder… está aflita. Porém, surge também uma falta de vontade de regressar, aparecendo-lhe um medo escondido – de poder ser feliz, bem como uma crença inconsciente de que quando se é feliz tudo pode terminar de repente, quando menos se espera… Na realidade nesta altura pareceu-me começar a adivinhar um outro conflito, uma dualidade de não querer estar ali naquele lugar, na felicidade da sua família…embora se sinta culpada por não querer.
Mais tarde, quando consegue regressar a casa, inicia-se um comportamento estranho nela a partir dessa data. Às vezes sente esse mesmo medo e volta de novo para a floresta. Inventa desculpas ao marido, habituando-se a mentir. Apesar de gostar de ser mãe, não confia no entanto no marido. Tem também medo de que ele se aperceba das dúvidas dela.
Ao tentar perceber a origem deste bloqueio vamos a uma segunda vivência sua passada – duma personagem feminina que teria tido necessidade de tomar uma decisão entre dois homens numa dada época: um que amava mas não tinha bens pois era pobre, mas que pretendia levá-la para outro lugar onde poderiam vir a ser felizes e, da existência no entanto dum outro pretendente bem mais velho e bastante rico, mas que ela não amava. Optou pela riqueza em vez do amor, do bem-estar em vez da simplicidade e da felicidade. Tornou-se posteriormente uma mulher com poder, mas onde não podia confiar em ninguém. Esta personagem gostava de escrever, ser criativa, mas nem essa qualidade poderia expor, pois seria considerada uma fraqueza naquele meio social onde vivia. Estranhos desígnios, pois não lhe era permitido demonstrar as suas emoções naquele ambiente… Ela gostaria de ter vivido as histórias que escrevia – ser a outra personagem – numa evasão da realidade. Porém, nunca pode mostrar verdadeiramente ao marido quem ela era, nem nunca o amou como ele a amava. Também a família dele nunca a terá aceitado bem por outro lado. Viu-se obrigada a ter de mentir, criar máscaras, por não se sentir protegida e viveu parte da sua vida com medos. Este companheiro morreu pouco tempo depois, deixando-a sozinha. Teve na realidade duas perdas de amor em vez duma, como experiência naquela época. Tínhamos assim encontrado aqui o início da sua tendência…
Numa segunda sessão feita posteriormente, Aurora surgiu em consulta mais consciente e calma, realçando no entanto que sentia não ter ultrapassado o término desta sua última relação recente. Ao falar com o ex-companheiro por telefone após a última sessão de TRM que tivemos, as discussões continuavam, contou-me. Desabafou desta vez que porém teve sempre a sensação de estar numa relação em que se submetia, que se anulava, que dava mais do que recebia. Muitas vezes mentia simplesmente para fazer o companheiro sentir-se culpado, para o controlar. Salientou no entanto, que em todos os seus relacionamentos amorosos teve sempre dificuldade de terminar, e que nunca gostava de desistir. Porém, que este último relacionamento teria sido o que mais a teria marcado, o mais profundo – permanecendo a sensação de o continuar a amá-lo.
Questionei-me se ela saberia o que seria verdadeiramente o amor. A sensação que me dava era de haver alguma confusão entre o que seria amor e algum tipo de dependência ou hábito, necessidade de se afirmar, carência ou conflito…
Nesta sessão, partindo do sintoma do desequilíbrio que se queixava, Aurora regressou novamente àquela vida passada onde já teríamos estado na anterior sessão, porém numa idade mais jovem. Está agora deitada no chão na mesma casa de madeira naquela floresta, deprimida, mas tendo desta vez 14 anos. Sente-se presa, isolada, triste, castrada. Vivia nessa altura ainda com o pai. O isolamento naquele lugar faziam-na sonhar em poder sair dali, conhecer o mundo. Tem dentro dela uma criança muito triste, frustrada. Mais tarde, aos 18 anos (que será a mesma idade com que ficou deprimida na vida atual) tenta fugir com alguém que ama mas o pai apanha-a antes de conseguir escapar-se. Este progenitor faz-lhe sentir que é para bem dela que não a deixa ir – o que a deixa confusa, revoltada, com ódio contra o pai. Afinal o amor é castrador… O homem com quem iria fugir e que a amava também desiste dela posteriormente – o que a fez sentir-se perdida. Acredita que afinal nada vale a pena. Desiste de viver, isola-se na sua revolta. Nunca a exterioriza, nunca se zanga, nunca confronta. A raiva vira-se contra ela própria e também contra o masculino. Resigna-se fechada no seu mundo. Quando se casa com alguém depois do pai falecer, não confia no amor nem no seu posterior companheiro. Vai com reserva e em conflito para uma relação… mas não sabe. A sua dualidade manifesta-se mais tarde, quando começa a correr o risco de poder ser feliz, pois surge o medo da perda e do sofrimento. Passa a mentir então, levando a vida mais uma vez criando máscaras…
Quando morre leva consigo uma falta de confiança (nunca confiou amar alguém nem se amou a si própria), assim como um vazio e um arrependimento – pois sente que foi amarga, agressiva, ressentida com a vida, sem alegria… Na realidade, nunca teria confiado na ultima relação – o amor não era confiável…
Este limbo continuava ainda a afetar hoje a sua vida atual – numa zanga com o amor (ou com algo que o possa simbolizar) bem como com ela própria, existindo uma falta de confiança nas suas decisões, Cria dependências nos relacionamentos devido ao medo. A dualidade entre aquilo que quer para ser fiel a si própria antagonizando com o medo da perda, criaram-lhe um conflito de personalidade. Uma estranha sensação de não estar a viver a vida plenamente desde que nasceu tinha-se tornado normal para Aurora, onde a necessidade de mentir por medo, conjugava-se com a necessidade de exteriorizar uma zanga escondida e inconsciente, acoplada a uma vontade de partir, de ir embora para não criar dependências e de não arriscar-se a sofrer – pois podia perder mais uma vez o amor – permanecendo num vazio de isolamento e num ressentimento com a vida, que não sabia explicar.
Neste Universo onde estava inserida, um pai castrador desse passado teria sido substituído na vida atual por uma mãe tremendamente controladora – de quem tinha medo e que nunca a apoiava nas suas decisões, mas de quem era ainda dependente, apesar de não viver com ela. O seu conflito com o amor tê-la-ia afastado de todos os relacionamentos amorosos que tinha tido, assim como dos seus próprios pais. Mesmo quando não exprimia os conflitos inconscientes em que vivia aos seus ex-companheiros, estes sentiam no entanto que algo não estava bem. O hábito de mentir em vidas pretéritas trazia uma necessidade de continuar a não ser honesta, por medo da perda. A raiva tinha-se virada contra ela própria. Não fala, não se expõe, não confia. Acumula as emoções dentro de si e explode desequilibradamente… ou vive em conflito na relação – algo ao qual já se teria também habituado.
Com a carência na necessidade de se relacionar, continuava a atrair relacionamentos com idênticos padrões de conflito.
Como trabalho interior, levo-a a resolver o processo daquela jovem personagem feminina com o pai, não desistindo da sua vida, do seu poder pessoal, onde deverá dizer tudo o que precisa para se afirmar, exteriorizar o que nunca fez: “Ninguém vai viver por mim. Por muito que me queiras proteger, eu tenho de fazer o meu caminho…” diz-lhe. Apesar do medo da reação do progenitor, observa o seu comportamento e apercebe-se que afinal ele não era tão mau assim… “Ele zanga-se mas já não reage…” diz-me.
Todas as subpersonalidades que surgem em TRM devem ser tratadas, ouvidas, reconhecidas…
Esta personagem feminina deixa, antes de se ir embora, uma mensagem à minha cliente – a qual não percebe naquele momento o seu significado: “Vive por ti, não pelos outros…” diz-lhe. Percebi que deveria fazê-la compreender esta mensagem mais tarde, pois Aurora teria vivido sempre em função de alguém e não dela própria. Procurava as soluções fora e não dentro de si… sem nunca ter tido consciência de o fazer…
Nestes casos específicos as constelações de família entre diferentes vidas conjugam-se e complementam-se. Ao trabalharmos o processo posteriormente com a sua mãe atual, as pazes são feitas mais facilmente e Aurora consegue abraçar a progenitora – que representará simbolicamente também o seu amor feminino. Apesar de se sentir ainda estranha consigo própria neste seu novo comportamento, apercebe-se que está a habituar-se a esta sua nova maneira de ser mais humana, sensível, humilde e… recetiva. A mãe fica algo surpreendida. “Também estou a habituar-me a ser diferente…” diz-lhe sorrindo.
Contrariamente ao que teria sucedido na primeira sessão, desta vez teremos conseguido equilibrar a constelação com a família, sentindo-se feliz por estar com todos eles. O amor prevalecia agora…
Restava saber se iríamos a tempo para recuperar o homem que julgava amar nesta vida. Porém, como em tudo no Universo, é necessário retirarmos a lição principal. Nada onde estamos inseridos é garantido ou definitivo para além do amor que permanece connosco e que é eterno. Há que reconhecer as lições do desapego do amor incondicional que a vida nos traz… e sobre isso estaremos sempre a aprender.
Para mim o que será mais importante é a forma como reage Aurora a qualquer uma das possibilidades que surja… e estarei lá para a ajudar a ultrapassar sempre que necessite e queira.
Nada nem ninguém pertence a alguém. Estamos aqui por empréstimo num curto espaço de tempo, numa aprendizagem para crescimento. A vida é efémera e curta demais para se desperdiçar com o que não é importante. Agradecer por sermos felizes será uma forma de nos amarmos também… e pela nossa felicidade seremos sempre nós os primeiros responsáveis.
No entanto desta vez Aurora parece ter conseguido encontrar o amor com alguém na sua vida, conforme me informou mais tarde.
Fez-me sorrir interiormente para os meus botões um provérbio que me pairou na mente… brincando comigo numa espécie de trocadilho, quando ouvia contar a transformação que teria tido posteriormente a sua vida:
“ A Fé é como um pássaro que canta antes do sol surgir…” ou antes da aurora nascer…
Por isso sem dúvida que cada vez mais amo os mistérios que a VIDA me vai mostrando…
Bem hajam.
Grato por poder partilhar.
Benjamim Levy